Aborto? Que ou quem é o nascituro?
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- Segunda, 28 Agosto 2023 13:33
Nos últimos anos, o debate sobre o aborto tem assumido contornos polêmicos e político-partidários, não raro de matiz fundamentalista, que podem obnubilar o ponto decisivo da questão. A meu ver, esse ponto consiste em saber se o embrião ou o feto tem direitos inalienáveis por gozar da dignidade de pessoa humana. É verdade que o fenômeno do aborto envolve questões várias, como educação, distribuição de renda, cultura ou mentalidade de uma sociedade, saúde pública, direitos da mulher etc. Tudo isso pode e deve ser considerado. Muitas vezes olhamos para o fenômeno sem indagar por suas causas mais profundas, não raro radicadas em uma sociedade injusta, incapaz de oferecer condições de vida digna e de educação de qualidade para amplas parcelas da população. É verdade também que em tempos em que os valores morais entregues pela tradição se fragilizam, o senso dos limites ou daquilo que eleva ou degrada o ser humano tende a esfumar-se, dando azo a experimentações e ideias que a curto, médio ou longo prazo podem prejudicar gravemente o bem-estar humano pessoal ou social.
Se todas as questões que envolvem o fenômeno do aborto devem ser consideradas, a questão fundamental gira em torno da pergunta: que é ou quem é o nascituro (embrião, feto)? Note-se que usamos que para coisas e quem para pessoas. Se o nascituro é apenas um amontoado de células, obviamente não gozará da dignidade humana. Se é simplesmente uma vida infra-humana, por certo não terá direitos decorrentes da dignidade humana. Mas podemos, sinceramente, dizer que o nascituro é apenas um amontoado de células ou simplesmente uma vida infra-humana?
Para começo de conversa, a ciência esclarece que uma nova vida se inicia com a fecundação, que já não é a vida nem do espermatozoide nem do óvulo, que já tinham atingido, isoladamente, o máximo de seu desenvolvimento. Pela fecundação, ao contrário, dá-se um evento, algo inédito: um novo ciclo vital se inicia, que, se não impedido, resultará num ser humano adulto, pleno de expressões pessoais. Desde a fecundação temos um novo genoma humano, com seus 22 cromossomos pareados mais o cromossomo X pareado com outro cromossomo X (sexo feminino) ou com o cromossomo Y (sexo masculino). Assim, a nova vida que se inicia pertence à espécie humana e, desde o seu ponto de partida, já possui identidade clara e orientação segura para o seu desenvolvimento. Nada receberá de fora, a não ser a nutrição e a proteção de que precisa. Goza, portanto, de autonomia bem definida.
Podemos classificar esta nova vida como um simples amontoado de células (fase embrionária) ou como uma vida simplesmente infra-humana (fase embrionária ou fetal)? Ora, uma casa não é um simples amontoado de tijolos. É a ordem dos tijolos faz a casa. De modo análogo, no genoma do embrião, temos informação clara que faz dele mais do que um simples agregado de células – faz dele, na verdade, repitamo-lo, uma vida da espécie humana com identidade e orientação bem precisas.
Como poderíamos dizer com segurança que a nova vida é simplesmente uma vida infra-humana? Até quando seria vida infra-humana? Até os nove meses, imediatamente antes do parto? Alguns minutos depois, com o parto, já seria vida propriamente humana? Alguns querem medir e estabelecer marcos temporais a partir dos quais a vida passaria a merecer respeito e a possuir direitos invioláveis. A partir da nidação? Depois da formação dos órgãos? Quando começa a sentir? Com a formação do sistema nervoso? Note-se que o sistema nervoso completa sua formação só na adolescência. Ora, desde que o novo ciclo vital, com o novo genoma, inicia-se a partir da fecundação, não há critérios objetivos para estabelecer cortes no seu desenvolvimento, pois o processo se dá num continuum ininterrupto, e toda tentativa de seccioná-lo será mais ou menos arbitrário.
Que seria vida humana e vida infra-humana? Se a vida humana é a vida que traz o genoma humano e, portanto, pertence à espécie humana, como negar o estatuto de vida humana ao nascituro desde a fecundação? Ou vida humana seria a vida que se pode expressar como pessoa? É verdade que o nascituro não se pode ainda expressar como pessoa. Mas o recém-nascido pode? O comatoso pode? Eles não seriam vida humana? Não teriam dignidade humana?
Veja-se que não é a ciência que pode decidir unilateralmente a respeito da vida humana e da sua dignidade. Não se trata simplesmente de uma questão de precisão de relógio ou de dados científicos brutos, mas sobretudo de significado. A ciência nos oferece dados importantes, sobre os quais devemos lançar nosso olhar ético e filosófico. Sigo os filósofos que distinguem entre personeidade e pessoalidade. A personeidade é a estrutura vital que está na base de pessoalidade, que é a vida em suas ricas expressões pessoais. O nascituro, o recém-nascido e o comatoso podem não ser capazes de expressar-se com a riqueza da consciência e da liberdade (pessoalidade), mas trazem a estrutura (personeidade) que permite qualquer expressão pessoal. O nascituro é uma vida que traz o genoma humano, que, se não houver nenhum entrave, permitir-lhe-á um dia a expressar-se plenamente como pessoa. Por ser dotado de personeidade, posso e devo (vejo-o como o caminho mais sensato e mais seguro) atribuir-lhe (do campo jurídico inglês, to ascribe) a dignidade de pessoa humana, claramente reconhecida como presente em quem se expressa como pessoa.
Ademais, é preciso reconhecer como respeitável o processo pelo qual cada pessoa humana teve de passar para chegar a ser pessoa. Ora, toda pessoa humana um dia iniciou sua trajetória como um zigoto. Sem este início, nenhuma pessoa poderia ser pessoa. Assim, o processo que tem começo na fecundação deve ser absolutamente respeitado, pois, sendo o caminho inicial percorrido por todos nós, sem o qual não poderíamos ser quem somos hoje, merece que se lhe atribua (to ascribe) o peso e a luz da dignidade humana pessoal.
Desse modo, se podemos ou mesmo devemos atribuir (to ascribe) dignidade de pessoa humana ao nascituro, nada poderá justificar uma ação, querida como meio ou como fim, contra a sua inocente vida. Podemos considerar todos os problemas ligados ao aborto, mas não se pode eludir a questão fundamental: se se pode e deve atribuir dignidade humana ao nascituro, ele deve ser absolutamente respeitado. Socorra-nos Immanuel Kant, cujo imperativo categórico vê na pessoa um fim em si mesmo, nunca um simples meio. Por tudo isso, não aceitar o aborto afigura-se-me como um imperativo. Mas procurar combater as graves injustiças sociais, que muitas vezes agem como causa mais profunda do fenômeno social do aborto, é também um imperativo não menos grave.
Pe. Elílio de Faria Matos Júnior
*Vigário paroquial da Catedral Metropolitana
*Professor de Filosofia e Teologia no Centro Universitário
Academia - Seminário Arquidiocesano Santo Antônio
27 DE AGOSTO: DIA DO CATEQUISTA
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- Terça, 22 Agosto 2023 14:55
“Ai de mim se não anunciar o Evangelho” (1Cor 9, 16)
E disse-lhes: Ide pelo mundo inteiro proclamar o Evangelho a todas as criaturas. “Quem crer e for batizado será salvo, quem não crer será condenado” (Mt 16,15)
A situação atual, religiosamente falando, é preocupante. Por que? A ignorância religiosa é grande. Nossos cristãos não conhecem, suficientemente, Jesus Cristo, a Igreja, a Palavra de Deus. Os sacramentos não são devidamente valorizados. Ademais, há muita confusão religiosa; surgem, constantemente, novas denominações. Muitas, até agressivas e outras parecem mais supermercados da fé…
A escola, muito pouco favorece a evangelização. As famílias -patrimônio da humanidade - (Bento XVI), está em processo de esfacelamento. A mídia repassa conteúdos questionáveis, quando não preocupantes ou até nocivos. A frequência aos sacramentos e a participação ao culto, após a COVID, como será? Boa pergunta…
O testemunho dos cristãos está comprometido: o domingo se tornou o dia do futebol, da praia ou de outros entretenimentos. Muitas famílias nem participam mais da comunidade. São omissos. Não assumem sua função catequética: sua missão. Quem sofre mais com isso? As crianças, ou seja, os filhos. O índice de agressividade é alto entre os jovens e, até, entre casais. O “DA” (Documento de Aparecida) recorda, até, o direito das crianças sobre a formação (DA 286-326).
Qual o futuro das crianças e jovens não evangelizados? Como transformar esse quadro? Não são poucas as advertências da Igreja para a renovação pastoral: Roma, CNBB, Dioceses, etc, etc…
Aos catequistas, hoje e sempre, nossa admiração, incentivo e felicitações. Possa Maria, a catequista por excelência, ser referência e modelo para todos ou todas. Parabéns e gratidão. E a todos que te admiram e incentivam.
Dom Carmo José Rhoden
Bispo Emérito de Taubaté (SP)
Semana Nacional da Família
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- Quinta, 27 Julho 2023 10:02
De 13 a 18 de agosto de 2023, a Igreja católica no Brasil celebra a Semana Nacional da Família, com o tema “Família, fonte das vocações”. A celebração acontece dentro do Ano Vocacional promovido pela CNBB.
O Evangelho de que a Igreja é depositária ultrapassa os limites dos laços sanguíneos para constituir a grande família de Deus, em que todos nos fazemos irmãos. É a Boa Nova para todos os seres humanos, principalmente para aqueles que estão em situação de maior necessidade, como, por exemplo, para quem está ou se sente sozinho no caminho da vida. A família do Reino de Deus não conhece limites. A mensagem que a Igreja anuncia é para a salvação ou saúde de todos os seres humanos e do ser humano inteiro, em suas dimensões estruturais (corpo próprio, psiquismo e espírito) e relacionais (relação com o mundo, com os outros e com Deus).
Deus, que é o Bem eterno, chama a cada um de nós a se curar/salvar no serviço pela cura/salvação dos outros. É Deus quem salva, mas ele também se vale de instrumentos, que somos nós, para realizar seus propósitos. Salvamo-nos em comunidade. A solidariedade (mútua dependência e mútua influência) já existe entre nós como fato; é preciso que ela se torne solidariedade ética, no sentido de que nosso estar ligados uns aos outros seja marcado por escolhas sábias, respeitosas e amorosas, capazes de beneficiar a todos. O amor e o cuidado de Deus passam também pelas opções que fazemos, as quais qualificam eticamente a nossa solidariedade.
A primeira comunidade sobre a qual se alicerça a Igreja e a sociedade em geral é a família nuclear. No seio familiar se tem a grande oportunidade de aprender a amar e de deixar-se amar. Na família, aprendemos a nos sacrificar pelo bem do outro e a receber o dom do outro. É a fecunda circulação do dar e do receber. Esse aprendizado é fundamental para a vida da comunidade maior - a sociedade civil e política. Esta precisa de justiça (dar a cada um que lhe é devido), mas precisa também de caridade ou de benevolência (dar do que é meu ao outros). Uma sociedade pode medir a sua maturidade humana na medida em que se busca a justiça e a benevolência nos relacionamentos. Na família, mais do que a justiça, aprendemos a benevolência, que, ultrapassando a justiça estrita, coloca em movimento o que nos faz autenticamente humanos e divinos: a capacidade de doação.
Que o Sumo Bem que é Deus nos ajude a ver o bem ao qual somos vocacionados. Cada um de nós tem uma vocação específica na ordem do bem, para o bem comum da Igreja e da sociedade. Que os laços familiares nos fortaleçam para que tenhamos a coragem de ir além dos laços sanguíneos e construir maiores e mais amplos laços de solidariedade, que nos irmanem na boa convivência, no cultivo das virtudes, na busca da justiça para os injustiçados e na vivência do amor, cuja fonte transcendente é Deus.
Na Catedral Metropolitana, teremos a celebração da Semana Nacional da Família, com destaque para a mesa redonda, no dia 16 de agosto, às 19h30, e para a Missa para os casais, no dia 17 de agosto, às 19h.
Pe. Elílio de Faria Matos Júnior
*Vigário paroquial da Catedral Metropolitana
*Professor de Filosofia e Teologia no Centro Universitário Academia - Seminário Arquidiocesano Santo Antônio