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Itinerário da Vida

festa-de-todos-os-santosDentro do atual clima religioso da sociedade, que envolve a comemoração e celebração de todos os falecidos, no Dia de Finados, e a Solenidade de Todos os Santos, a vida tem um iter, um itinerário, que engloba essas duas realidades. Finados não é tido como fim, e sim, experiência definitiva da vida que vence a morte e conduz para a eternidade, onde a realidade se transforma na plenitude do amor.

No cenário atual de guerra, que massacra a vida de forma totalmente indiscriminada e desumana, a vida humana fica insegura, sem perspectiva de futuro e muita gente é paralisada com o estourar das armas assassinas. Fica até difícil pensar no itinerário promissor da vida nesses ambientes marcados pela fragilidade provocados pela insensibilidade de grupos radicais e impiedosos.

O que estamos assistindo no Oriente Médio foge totalmente dos critérios consolidados para o itinerário da vida. A pessoa humana existe para ser feliz, ter livre acesso aos bens da natureza, direito de ir e vir e uso responsável da liberdade. Esses dados têm sido feridos violentamente, provocando morte e sofrimento de quem não carrega, em seu itinerário de vida, nenhuma culpa a ponto de ser ceifada.

Entendemos também que a santidade é fruto de uma vida comprometida com o bem e a felicidade de todos. Isto não descarta a possibilidade do sofrimento, do martírio e também da morte. Por isto celebramos o Dia de todos os Santos, por reconhecer um itinerário de comprometimento de tantas pessoas na vida terrena. Louvamos a Deus por isto e intercedemos a eles pela nossa coerência hoje.

A vitória da guerra não eleva ninguém, porque toda guerra é um desastre estrutural e humanitário. Todos são perdedores de itinerários de vidas, de entes queridos, de famílias e familiares, de espaços saudáveis de convivência e de utopia. Nem conseguimos medir as desastrosas consequências herdadas desses fatos, porque toda a humanidade fica afetada, tendo que assumir novas realidades.

O verdadeiro itinerário da vida do ser humano deve estar fundamentado nas Bem-aventuranças do Evangelho de Jesus Cristo. São caminhos de santidade, de toda bondade que sai de dentro do coração humano, porque leva em conta os princípios do amor e da fraternidade entre as pessoas. O fundamental é não perder de vista o caminho indicado pelas Bem-aventuranças do Senhor.


Dom Paulo Mendes Peixoto
Arcebispo de Uberaba (MG)

A morte ensina-nos a viver

feriados-finadosO Dia de Finados, para muitos um simples feriado de 02 de novembro, é o dia em que comemoramos todos os fiéis defuntos. A Igreja Católica, desde os primeiros tempos, cultiva a memória dos falecidos e reza por eles. Mais que celebrar o “dia dos mortos”, queremos, isso sim, fazer memória de todos aqueles “que já experimentaram a finitude dessa vida, e que, por Cristo, com Cristo e em Cristo, estão vivos em Deus e para Deus” (cf. CNBB, Todos os povos da terra serão reunidos diante dele; roteiros homiléticos para o Tempo Comum II, Brasília, Edições CNBB, 2023, p. 76). Com esta certeza, devemos ajudar as pessoas “a afastar o ar sombrio e de tristeza, que, muitas vezes, se encontra estampado em suas faces”, convidando-as ou animando-as a “experimentar uma saudade saudável em relação aos seus entes queridos que já não se encontram entre nós” (ibidem).

Fazer memória dos falecidos é também ocasião para recordarmos que a morte é certa para todos e que podemos melhor projetar nossa vida. “O ser humano tem condições de assumir a sua finitude e, por esta, pensar e projetar a própria existência não objetivando o prazer, que é fugaz e passageiro, mas dando espaço para refletir sobre o autêntico sentido da vida e sobre o anseio por felicidade” (idem, p. 81). Fazer memória dos falecidos faz-nos pensar o que é felicidade e qual o sentido de nossa vida! A morte, pois, ensina-nos a viver! Ou deveria…

Olhando o Documento de Aparecida (DAp), que é resultado da última Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho, realizada em 2007, vemos indicações valiosas para melhor compreender a temática morte-vida. Outros tantos documentos e textos também poderão ajudar, mas Aparecida mantém um encanto. Ou vários encantos! Vale destacar, além do próprio documento conclusivo, o discurso inaugural do, então, papa Bento XVI; sua homilia na missa de abertura dos trabalhos, naquele 13 de maio de 2007, 6º Domingo da Páscoa; e a Mensagem Final dos Participantes a todo o Povo de Deus. O fato de o evento ter sido realizado no Santuário de nossa Padroeira, ambiente mariano, Casa da Mãe, e ter tido o atual papa Francisco como presidente da Comissão de Redação do Documento Final, são outras motivações para “espiarmos” juntos algumas indicações.

No discurso inaugural, Bento XVI falou da “síntese” entre as culturas dos povos originários e a fé cristã dos missionários, donde nasceu a “rica e profunda religiosidade popular”; elogiou as Comunidades Eclesiais, com a maturidade na fé de muitos cristãos leigos e leigas, catequistas e jovens; salientou o tema da Conferência: “Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que todos os povos nele tenham vida – ‘Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida’(Jo 14,6)”; e, diante de sua pergunta, “por que queremos ser discípulos de Cristo?”, respondeu: “porque esperamos encontrar na comunhão com ele a vida, a verdadeira vida digna deste nome…” (grifo nosso).

Na homilia da missa que abriu o evento, ao se referir à segunda leitura (Ap 21,10-14.22-23), Bento XVI descreveu o valor escatológico do ícone da Jerusalém Celeste, a harmonia perfeita da cidade santa, iluminada, “meta de nossa peregrinação, pátria que nos espera e pela qual suspiramos” (grifo nosso). Somos chamados a fazer parte desta morada, a própria casa de Deus, a experimentar, desde já, no dia a dia, a beleza deste Amor pleno. Quanto mais animados e mobilizados na caridade, conforme as ações ensinadas por Jesus, mais próximos desta Jerusalém Celeste estaremos, numa “antecipação da cidade santa, resplandecente da glória de Deus”.

Na mensagem final ao Povo de Deus os participantes da 5ª Conferência dos Bispos assim proclamaram: “Cremos e esperamos ser uma Igreja viva […], viver o nosso ser cristão com alegria e convicção […], formar comunidades vivas […], fortalecer com audácia a pastoral da família e da vida […]. Que este Continente da esperança seja também o Continente do amor, da vida e da paz!” (grifo nosso).

O Documento Conclusivo de Aparecida foi estruturado em três partes: a vida de nossos povos hoje; a vida de Jesus Cristo nos discípulos missionários; a vida de Jesus Cristo para nossos povos. Podemos dizer que é um texto repleto de indicações sobre a vida (consagrada, contemplativa, cristã, digna, nova, social, trinitária, em Cristo, estilo de, sentido da). O Documento de Aparecida deseja estimular “a ação evangelizadora da Igreja, chamada a fazer de todos os seus membros discípulos e missionários de Cristo, Caminho, Verdade e Vida, para que nele nossos povos tenham vida” (DAp 1).

Mas sempre teremos aqueles que optam pelos caminhos que levam à morte! “Caminhos de morte são os que levam a dilapidar os bens que recebemos de Deus […], caminhos que traçam uma cultura sem Deus e sem seus mandamentos ou inclusive contra Deus, animada pelos ídolos do poder, da riqueza e do prazer efêmero, a qual termina sendo uma cultura contra o ser humano e contra o bem dos povos” (DAp 13). A cultura da morte cresce e afeta a vida em todas as suas formas (cf. DAp 185). “Ainda que alguns países tenham conseguido acordos de paz superando dessa forma conflitos antigos, em outros continua a luta armada com todas as suas sequelas (mortes violentas, violações dos Direitos Humanos, ameaças, crianças na guerra, sequestros etc.), sem que se possam prever soluções a curto prazo. A influência do narconegócio nesses grupos dificulta ainda mais as possíveis soluções” (DAp 81).

No entanto, em “um mundo sem Deus, que só vê na morte o final definitivo da existência, Jesus nos oferece a ressurreição e a vida eterna” e nos recorda que Deus “‘não é um Deus de mortos, mas de vivos’ – Mc 12,27” (DAp 109, 129). Devemos “neutralizar a cultura da morte com a cultura cristã da solidariedade” (DAp 480), afinal, não queremos “andar pelas sombras da morte” (Dap 350), mas, sim, no caminho da vida, que “inclui a alegria de comer juntos, o entusiasmo para progredir, o gosto de trabalhar e de aprender, a alegria de servir a quem necessita de nós, o contato com a natureza, o entusiasmo dos projetos comunitários, o prazer de uma sexualidade vivida segundo o Evangelho, e todas as coisas com as quais o Pai nos presenteia como sinais de seu sincero amor” (DAp 356). “A vida é presente gratuito de Deus, dom e tarefa que devemos cuidar desde a concepção, em todas as suas etapas, até a morte natural, sem relativismos” (DAp 464).

Que neste Dia de Finados, junto à memória de nossos entes queridos chamados à eternidade, possamos aprender, mais uma vez, o valor da vida. E repudiar todo e qualquer sinal de morte em nossa vida.


Dom Juarez Albino Destro

Bispo auxiliar de Porto Alegre (RS)

Sinodalidade

Com origem na palavra sínodo, temos a sinodalidade. É um termo muito usado pelo Papa Francisco na condução da Igreja, para motivar o espírito de unidade do povo cristão. O desejo fundamental é de evidenciar a necessidade de todos caminharem juntos, com objetivos comuns na construção do Reino de Deus. E neste mês de outubro, está acontecendo o Sínodo, sobre sinodalidade, em Roma.

É interessante compreender que o Papa toca na essência do ensinamento de Jesus, revelada no capítulo 17 do Evangelho de João. Não é saudável uma Igreja sem unidade, mesmo tendo que enfrentar uma cultura da diversidade destoante. Entendemos o dinamismo que vem do Espírito Santo, mas não conseguimos compreender bem as atitudes daqueles que investem numa literatura de desunião.

Um Sínodo, com uma ampla representação das lideranças da Igreja, não é uma reunião qualquer, mas momento de escuta atenta do Espírito Santo, que inspira e conduz a Igreja para ser capaz de discernir a complexa forma de seu agir evangelizador no mundo. É espaço de reflexão para saber o que é de Deus e o que é do mundo, criado por Deus e governado pelos seres humanos.

O Papa Francisco, sob a luz da fé, tem muita sensibilidade em relação aos grandes, urgentes e preocupantes problemas do mundo. Ancorado nessa realidade, fala de não fechar portas, de ser evitado o legalismo, o clericalismo e o tradicionalismo. Para ele, o mais importante é construir pontes seguras, que ajudem a pessoa a ser feliz na própria trajetória humana e espiritual de vida.

Uma ala da Igreja se sente incomodada em relação à forma como o Papa tem tratado questões emergentes da cultura moderna. Não podemos descartar, que estamos em tempo de grandes desafios, de diversidade e ampla liberdade de manifestações. Por isto mesmo, é fundamental saber escutar a voz do Espírito de Deus e ter mente aberta para encontrar caminhos seguros hodiernos.

Na cena bíblica do “devolvei, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus” (Mt 22,21), podemos sentir a maldade ideológica dos opositores de Jesus, querendo colocá-lo à prova. Isto vem acontecendo, de forma incisiva e desonesta, com a pessoa do Papa Francisco, inclusive com o requinte até de considerá-lo como “papa falso”, jogando por terra a tradição e a ação do Espírito Santo.


Dom Paulo Mendes Peixoto
Arcebispo de Uberaba (MG)

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